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Contencioso societário, propriedade industrial e franquia são temas de evento

No segundo dia do curso da Escola Paulista da Magistratura sobre “Questões atuais de Direito Empresarial: uma homenagem ao desembargador José Araldo da Costa Telles”, promovido nesta sexta-feira (10/2), foram discutidos temas como contencioso societário, propriedade industrial e contratos de franquia.

O evento teve início com uma palestra do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, sobre “a empresa e a Constituição Federal”. Como o Direito Empresarial normalmente envolve questões infraconstitucionais, Lewandowski disse que o STF julga poucos processos sobre o tema. Por isso, ele teceu considerações sobre o papel da empresa e a vinculação com o Direito Constitucional.

“A regulamentação do comércio, embora já presente desde a Antiguidade, começou na Idade Média com o desenvolvimento das trocas comerciais. Os próprios comerciantes criaram leis especiais para disciplinar suas atividades e até seus próprios tribunais. Com o surgimento dos estados modernos, muitas dessas regras foram incorporadas a códigos civis e comerciais, que se cristalizaram a partir do século XIX”, lembrou.

Segundo o ministro, a partir das revoluções liberais do século XVIII, as novas Constituições passaram a assegurar o livre exercício de qualquer atividade econômica ou profissional, incorporando, ainda, uma série de direitos individuais, baseados no direito à vida, à propriedade e à liberdade.

“Com a liberação das atividades econômicas, surge a teoria dos atos de comércio, que encontrou expressão no código napoleônico de 1804. O texto identificou a figura do comerciante e o definiu como sendo quem exerce atos de comércio de modo profissional e habitual, uma primeira definição mais moderna. Essa ideia foi adotada pelo código comercial brasileiro de 1850, classificando os atos de comércio por critérios de habitualidade e lucro” disse.

Porém, Lewandowski disse que a teoria dos atos de comércio se mostrou insuficiente, pois a economia é dinâmica e abrange muitas atividades. “A teoria foi superada antes da 2ª Guerra Mundial, quando a Itália unificou o Direito Civil e Comercial e criou a teoria da empresa. O fundamental foi que a teoria criou a ideia da função social da empresa. No Brasil, isso só foi incorporado plenamente com o advento do Código Civil de 2002.”

O ministro disse que o Código Civil foi muito influenciado pela Constituição de 1988, sobretudo em relação à função social da empresa e do contrato. “O Código Civil introduziu a ideia de que o contrato também tem uma função social, e não é mais fruto de uma vontade ao extremo. Cláusulas leoninas, há muito tempo, já não são consideradas. As relações privadas passam a ser pautadas por uma atuação ética e socialmente responsável das partes”, disse.

Ao analisar questões contratuais, o ministro afirmou que os juízes devem sempre observar o princípio da dignidade humanidade, da proporcionalidade e da razoabilidade. Ele também disse que as empresas deixaram de ser somente um instrumento de autonomia individual e lucro do empresário para desempenhar uma atividade social pautada pela ética, incluindo geração de renda e de empregos.

Contencioso societário
Mediado pelo desembargador Cesar Ciampolini, o primeiro painel do dia debateu contencioso societário com o desembargador Eduardo Azuma Nishi e os advogados e professores Flavio Luiz Yarshell e Eduardo Secchi Munhoz. Na abertura do evento, Ciampolini destacou a complexidade do tema, citando como exemplo apuração de haveres e produção antecipada de provas.

De acordo com Yarshell, o contencioso societário está dividido entre Judiciário e arbitragem. Embora a arbitragem esteja ganhando terreno, ele disse que a relação com o Judiciário é imprescindível. “Tenho dito a arbitralistas que é preciso um pouco de autocrítica, pois há disfunções no modelo que, embora sejam exceção, repercutem mal na imagem da arbitragem”, afirmou.

Segundo Munhoz, estudos apontam uma relação direta entre a qualidade do sistema jurídico societário e o desenvolvimento econômico social de um país. Ele citou como exemplo o estado de Delaware, nos Estados Unidos, cuja atividade mais famosa é a prestação jurisdicional em matéria societária.

“Muitas empresas americanas têm sede em Delaware, por causa da forte atuação em questões societárias. Mas as leis de Delaware são facilmente copiadas e foram implantadas em outros estados. Mesmo assim, as empresas não deixaram o estado porque ninguém consegue replicar 100 anos de jurisprudência e de aplicação eficaz do Direito Societário como em Delaware, o que garante previsibilidade e segurança jurídica.”

Já o desembargador Azuma Nishi abordou a apuração de haveres na dissolução parcial de sociedade, matéria mais recorrente na Câmara em que ele atua, a 1ª Câmara de Direito Empresarial. Segundo o magistrado, a questão teve uma virada de entendimento no Superior Tribunal de Justiça, que disciplinou algo já previsto no Código Civil de 2002: “Após 20 anos, as disposições do CC foram absorvidas pela jurisprudência.”

Nishi afirmou que, antes de 2002, a jurisprudência consolidada era no sentido de admitir que o fundo de comércio fosse computado em caso de saída do sócio. Segundo ele, tanto o Código Civil de 2002 como o Código de Processo Civil de 2015 prestigiaram o critério contábil, e não o fundo de comércio, para apuração dos haveres.

“Antes de 2002, o STJ admitia o fundo de comércio. Essa posição foi alterada em abril de 2021, no julgamento do REsp 1.877.331, em que a corte entendeu ser nítida a opção do legislador pelo critério patrimonial, pelo chamado balanço de determinação, excluindo a possibilidade da metodologia de fluxo de caixa descontado”, afirmou Nishi.

Propriedade industrial
O segundo painel, mediado pela juíza substituta em segundo grau Jane Franco Martins, contou com os juízes Luís Felipe Ferrari Bedendi e Guilherme de Paula Nascente Nunes, e o advogado e professor José Marcelo Martins Proença. Nunes afirmou que o tema mais corriqueiro nas Varas Empresariais é a proteção da marca registrada no INPI, a possibilidade de convivência de marcas, a contrafação e o trade dress.

Ele citou um acórdão de relatoria do desembargador homenageado no curso, Araldo Telles, que morreu em fevereiro de 2021. Segundo Nunes, o acórdão aborda questões de extensão de proteção marcária, aproveitamento parasitário e concorrência desleal, e envolvia duas marcas de roupa, uma chamada Hit e a outra Poema Hit. Telles entendeu que o termo “Hit” tinha proteção ampla e houve aproveitamento parasitário da empresa ré em relação à empresa autora.

Bedendi destacou que, muitas vezes, a propriedade industrial é escanteada no Direito Empresarial, “talvez por ser um mundo à parte e não ter o mesmo glamour que se dá a questões societárias”. “Em um recente levantamento de cinco anos nas Varas Empresariais de São Paulo, as demandas de propriedade industrial correspondiam a mais de 30% e só perdiam para questões societárias, que são cerca de 40%”, afirmou.

Conforme o magistrado, um dos fundamentos da propriedade industrial é a proteção do mercado consumidor, isto é, o destinatário das criações, que é o cliente. “Em um conflito de violação de desenho industrial ou trade dress, é preciso considerar a posição do consumidor, se há risco de confusão ou se há aproveitamento do prestígio de outra marca.”

Já Proença abordou patentes e desenho industrial e destacou o conflito entre o direito proprietário industrial, que incentiva a inovação e concede exclusividade a criações, e o direito da concorrência, que busca preservar a competição. Para resolver isso, o professor defende uma “atuação especial do INPI e do Judiciário, quando for provocado”.

Jurisprudência do TJ-SP sobre franquias
No último painel do dia, falaram os desembargadores Alexandre Lazzarini e Francisco Eduardo Loureiro e o juiz João de Oliveira Rodrigues Filho, com a mediação do desembargador Natan Zelinschi de Arruda. Lazzarini abordou cláusulas compromissórias dos contratos de franquia e citou um julgamento da 1ª Câmara de Direito Empresarial.

No caso em questão, um franqueado não tinha condições de pagar os custos de arbitragem, que eram muito superiores ao próprio contrato de aquisição da franquia. A Câmara reconheceu a invalidade da cláusula. “O contrato de franquia não tem simetria. Quem conhece o mercado é o franqueador e não o franqueado”, disse o magistrado.

Loureiro foi na mesma linha e também falou sobre o desequilíbrio em alguns contratos de franquia. Ele citou julgamentos semelhantes da 1ª Câmara de Direito Empresarial em que havia cláusulas compromissórias e os custos da arbitragem chegariam a R$ 100 mil, muito acima do que foi pago pelo franqueado para abrir seu negócio.

“Nos dois casos, a inicial foi indeferida em razão da cláusula de arbitragem. Foi negado ao franqueado o acesso à jurisdição privada e estatal, o que viola a Constituição. Os contratos empresariais, normalmente, seguem uma lógica própria em que o empresário busca o lucro e assume riscos. Parte-se de um pressuposto de que o contrato é paritário e tem igualdade de forças”, disse.

Neste cenário, Loureiro destacou duas correntes distintas. De um lado, há quem entenda que não há vulnerabilidade do empresário nos contratos empresariais e, mesmo que haja desigualdade, não é possível a intervenção do Judiciário, pois cabe ao empresário aceitar, ou não, os termos do negócio e, ao fazê-lo, assume o risco de desequilíbrio.

De outro lado, com base em doutrina italiana, há uma corrente que defende a intervenção eventual do Judiciário para evitar desigualdades nos contratos empresariais, posição majoritária na 1ª Câmara de Direito Empresarial, segundo Loureiro. “A questão é recente e ainda exige amadurecimento da jurisprudência”, acrescentou.

Por fim, Filho, que atua em Vara de Falências e Recuperação Judicial, falou sobre os contratos de franquia de empresas em crise, destacando as cláusulas resolutórias ou de rescisão expressa. Segundo o magistrado, muitas vezes, quando uma empresa entra em recuperação judicial, há o rompimento imediato de contratos, inclusive com franqueadores.

Ele citou um julgamento da 1ª Câmara de Direito Empresarial em que se decidiu pela prevalência do regime jurídico da Lei de Recuperação Judicial sobre a Lei de Franquias. Neste caso, o colegiado votou por não aplicar a cláusula resolutória a uma recuperanda que estava com as obrigações em dia.

“A função empresarial estava sendo cumprida, com geração de empregos, circulação de bens e arrecadação de tributos. Então, qual o racional econômico de uma franqueadora sufocar uma franqueada? Para ter um sistema mais eficiente, temos que observar o comportamento das partes. Os credores também precisam adotar um comportamento mais receptivo quando a recuperanda age com transparência” frisou o juiz.